Pela China Dentro
Desta vez, são dois livros de uma só vez. Não se trata de ficção, mas sim de "diários" pessoais que, na minha opinião, são uma excelente forma de se perceber porque é que se fala tanto da China hoje em dia, como é que esta se está a preparar para ser a próxima super-potência e também quão distantes dos nossos estão ainda os padrões de vida e direitos humanos no Império do Meio, não obstante a brutal evolução que sofreram nos últimos anos.
O primeiro, Pela China Dentro (ao qual roubei o título para baptizar este post), é uma excelente introdução, contada na primeira pessoa, ao que se tem vindo a passar na China nos últimos quinze ou vinte anos. O autor, António Caeiro, foi o correspondente da Agência Lusa em Pequim durante mais de doze anos. Foi para lá pouco depois dos acontecimentos de Tienanmen e assistiu in loco às vertiginosas mudanças que se têm vindo a operar naquele que é o país mais populoso do mundo.
Estão lá todas as contradições possíveis: o "comunismo" do Partido vs. o capitalismo selvagem (até o exército abre hóteis e fábricas); a abertura da economia vs. o apertado controlo da imprensa; a modernização das cidades vs. a desertificação dos campos; a tecnologia mais avançada vs. os métodos e processos mais primitivos; e especialmente as subtilezas da língua, da cultura e da forma de pensar chinesas, tão diferentes das nossas quanto a distância que nos separa.
O livro está ordenado por capítulos cronológicos, alongando-se aqui e acolá nos acontecimentos mais relevantes ou mais marcantes (que muitas vezes passaram absolutamente despercebidos no mundo ocidental), bem como nas diversas viagens feitas a vários locais da China e até mesmo à Coreia do Norte (viagem esta que permite perceber o que era a China há 50 anos atrás).
Lê-se com enorme prazer, seguramente redobrado para quem já tenha visitado a China, como é o caso aqui deste vosso amigo.
A segunda recomendação, Senhor China, de Tim Clissold, é algo diferente. Embora foque também as brutais diferenças culturais que encontramos na China, estas são quase sempre vistas da perspectiva de alguém que investiu naquele que hoje em dia já todos apelidam de "o maior mercado do mundo".
Relata, mais uma vez na primeira pessoa, a história de um (então) jovem deslumbrado com a China que, em conjunto com um "falcão" de Wall Street, decidiu apostar neste mercado quando a famosa máxima de Deng Xiaoping de "Um País, Dois Sistemas" começou a ganhar forma e visibilidade. Juntos, conseguiram reunir 400 milhões de dólares junto de investidores e apostaram em várias indústrias com enorme potencial.
Mas durante os anos que se seguiram começaram a perceber que a forma de pensar, de trabalhar, de lidar com os directores, trabalhadores e comunidades locais não tem qualquer semelhança com o que conhecemos do Ocidente. E que os contratos, advogados, tribunais e juízes podem ter muito menos influência do que a delegação local do Partido ou do Governo.
Neste "quase romance", as aventuras económico-financeiras sucedem-se a bom ritmo, sempre com uma pitada de humor que permite aligeirar as situações dramáticas que se vão vivendo. Mas, no final, eles acabam por perder praticamente todo o dinheiro (mas não o entusiasmo!), provando mais uma vez que o "Eldorado" (o Chinês como qualquer outro) nunca é fácil de atingir.
Ou seja, fundamental como manual de navegação para quem estiver a pensar aventurar-se neste imenso e fabuloso mercado.
Pela China Dentro, António Caeiro, Dom Quixote
Senhor China, Tim Clissold, Livros Quetzal
Senhor China, Tim Clissold, Livros Quetzal