quarta-feira, setembro 28, 2005

A Encomendação das Almas


Nova sugestão, para um livro lindíssimo e que se lê de uma só vez: "A Encomendação das Almas", de João Aguiar (1995)

A história deste livro cruza as personagens de Gonçalo Nuno Mesquita de Reboredo e Sande com José Eduardo Pintado, por todos conhecido como "Zé da Pinta".

O primeiro é um empresário de sucesso que acaba de se tornar septuagenário. Está farto da vida que levara até então, do stress de Lisboa, dos filhos e esposa interesseiros, da empresa, do trabalho e até da amante. Decide por isso largar tudo e refugiar-se na casa de família na pequena localidade de Poiais de Santa Cruz, herdada do primo Afonso Telo - ex-Conde de São Saturninho e possuidor de uma bela biblioteca, por sua vez herdada do pai e especialmente rica em volumes versando etnografia, costumes populares, esoterismo e bruxaria...

Já Zé da Pinta é muito diferente. Tem dezassete anos e, como se costuma dizer, não joga com o baralho todo. Com um físico de meter respeito, não faz mal a uma mosca. E é um "pouco lento" - está ainda a tentar acabar o ensino básico - mas tem um jeito e capacidades incomuns para tudo o que é mecânico. Também ele vai parar a Poiais para ajudar na mercearia/tasca do tio, recambiado porque os pais já não encontram paciência para aturar as suas peculiaridades.

Os dois conhecem-se e começam a construir um pequeno universo próprio, ao redor das leituras de Gonçalo e das máquinas de Zé da Pinta. Mas as respectivas famílias, por ignorância ou ganância, começam a minar esta existência alternativa.

Conclusão: eles têm mesmo de recorrer a soluções mais drásticas...

Edições ASA

sexta-feira, setembro 16, 2005

Livraria Ler Devagar


Seguramente, uma das livrarias mais simpáticas de Lisboa, assegurando um espaço importante na divulgação cultural lisboeta. O nome convida à leitura: Ler De-va-gar (em contraste com os tempos modernos em que domina o “fast-qualquer-coisa” ). Com sofás, cadeiras e mesas à disposição de qualquer leitor que pretenda saborear calmamente o seu achado na companhia de um café ou de um chá. Predispõe à descoberta, análise e reflexão. E é bom termos tempo, não é?

Pauta-se por ser um projecto inovador, por um lado pela sua aposta nos livros de fundo, por outro pela promoção que faz a diversos eventos culturais. Tem bastante cuidado nos livros que selecciona, apresentando não só as últimas novidades do mercado, mas também títulos muitas das vezes discretos ou esgotados no circuito tradicional livreiro. Uma vasta selecção em literatura portuguesa - prosa e poesia - mas também de estrangeiros. apresentando também livros dedicados ao teatro, às artes, ciências sociais, diversas revistas e com uma pequena secção de discos. Na sua vertente cultural, promove debates, recitais, tertúlias, lançamento de livros, workshops, exposições de fotografia, pintura e escultura.

Uma curiosidade, na parede da casa-de-banho está afixado um cartaz com o Manifesto Surrealista de 1924, em francês. No cartaz, temos frases, anotações e desenhos dos frequentadores do espaço (uns mais conhecidos que outros), recordando uma prática outrora usual que é o cadavre exquis.
Consultar http://fr.wikipedia.org/wiki/Cadavre_exquis para mais informações.

A Ler Devagar localiza-se num espaço bastante agradável e amplo na Rua de São Boa Aventura no Bairro Alto. Infelizmente, estão de mudanças, por motivos de especulação imobiliária por parte do novo proprietário do prédio, ainda para parte incerta (a zona será de manter).
A descobrir impreterivelmente neste fim-de-semana…

Idealismo: à descoberta dos Livros


LUKES, Steven, O Curioso Iluminismo do Professor Caritat, Gradiva, 1996
Nicholas Caritat, estudioso do iluminismo que conversa mentalmente com Voltaire, Rousseau e Kant, pretende evitar envolver-se nas lutas políticas de Militária, estado autocrático onde vive. Embora preso pela polícia, é libertado pela guerrilha que lhe dá o nome de código de Pangloss. Como missão tem que descobrir o melhor dos mundos possíveis para se viver.

Ao chegar aos diversos planetas da sua galáxia, Utilitária, Libertária, Comunitária e Igualitária, pensa sempre ter encontrado o mundo ideal. Com a continuação da sua presença nos mesmos descobre então que nenhum deles é ideal – e que afinal todos têm os seus pontos negativos.

Livro brilhante, divertido e delicioso, que revela teorias filosóficas e uma imaginação literária forte. Teoria política disfarçada de uma brincadeira divertida. Confronta de forma fascinante filósofos do séc. XVIII com as preocupações do século XX.

Recomendada a leitura.

Outros livros a explorar sobre o mesmo tema:

  • George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, Edições Antígona
  • Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, Livros do Brasil
  • Thomas More, Utopia, Europa América

quinta-feira, setembro 15, 2005

Idealismo = Radicalismo?

Vem este post a propósito de dois filmes actualmente em exibição nas salas: "Águas Silenciosas" (no original, «Khamosh Pani») e "Os Edukadores" (Die Fetten Jahre sind vorbei). Ambos contam histórias de gente normal que perde o seu rumo ao perseguir ideais.
Águas Silenciosas é um filme paquistanês que revela uma grande sensibilidade e coragem. Película intensa, que retrata a falta de tolerância e a segregação manifestada no Paquistão, entre muçulmanos e hindus, após a divisão do sub-continente indiano nos dois estados: Índia e Paquistão.
O filme fala da história de uma mulher hindu, Ayesha, obrigada a converter-se ao Islão no ano de 1947 (aquando da formação do estado do Paquistão) e do seu filho Saleem, cuja existência e rotina irá ser perturbada pela instauração da lei marcial decretada pelo presidente paquistanês em 1979.
Na sequência desta lei, o país começa a encaminhar-se aceleradamente para a islamização. Grupos de fundamentalistas islâmicos começam a impor regras e valores que primam pela falta de tolerância na pequena e outrora pacata aldeia paquistanesa da região do Punjab (na fronteira com a índia). Saleem é “recrutado” por um destes grupos, começando a pôr em causa o seu modo de vida, o seu amor e amizades, acabando por confrontar a sua própria mãe e raízes.
Vivamente recomendado!
Quanto a"Os Edukadores": com diálogos mais pesados e menos sofisticado, não é um filme que envolva e apaixone como "Águas Silenciosas". Conta a história de três jovens alemães, unidos no seu desejo de mudar o mundo.
Do seu ponto de vista, este está dominado por um sistema materialista promotor da desigualdade e exploração social, e eles pretendem ser a "semente" de um movimento que virá alterar o estado das coisas.
Dedicam por isso o seu tempo a invadir casas abastadas, com o propósito único de perturbar a existência privilegiada daqueles que "governam" e mantém em funcionamento o sistema. Até ao dia em que as coisas não correm como planeado.
Se a história é potencialmente interessante, o filme é como as ideias deles: a preto e branco. Ou seja, os "bons" são sempre bons e o "mau" será sempre mau - não fiquem margens para dúvidas!
No final, interessante q.b.
Para mais informações consultar

segunda-feira, setembro 12, 2005

Cataratas del Iguazú


Escrevo o nome em Espanhol, porque as cataratas estão na Argentina (na sua quase totalidade), embora seja o Brasil quem mais as publicite.

E só este portento da natureza seria suficiente para justificar uma viagem a esse país com cerca de 5.000 Km de Norte a Sul. Mas há ainda Buenos Aires, os desertos, montanhas e vales do Noroeste e, claro, a Patagónia. Com glaciares, pinguins, baleias, lobos-marinhos, fins do mundo e a Antártida ali à porta.

Voltando ao tema do post: Iguazú ou Iguaçu. Que em Guarani significa algo como "Águas Grandes" e que só peca por defeito - devia significar "Enormes", "Brutais" ou "Avassaladoras"!
O rio Iguaçu, quando está prestes a deixar a Argentina e 20 Kms antes de desaguar no Paraná (que divide o Paraguai do Brasil) , despenha-se numa garganta tão funda e larga, que por não se conseguir descrever de outra forma, se chamou "do Diabo". E que podia ser de Deus, mas que é seguramente da Natureza: 1.700 metros cúbicos de água por segundo, distribuídos por um arco de 3Kms e 275 cascatas, com 50 a 80 metros de altura.

O ruído é impressionante e a nossa sensação é de insignificância. Atrás de mim, um senhor galego, conhecido no dia anterior e que tentava não chorar, só conseguia dizer (naquela língua linda que nos dá saudades de casa) "Já puedo morrer..."

O Parque Nacional, do lado Argentino, requer um mínimo de um dia para percorrer, sendo dois dias o ideal. As passarelas e caminhos levam-nos acima, abaixo e ao lado das centenas de quedas de água - às vezes a apenas 3 ou 4 metros! E há algumas em que se pode tomar banho, para refrescar do brutal calor e humidade altíssima.
Mas o lado brasileiro é também a não perder. Vê-se num dia ou mesmo numa tarde mas, embora menor, oferece uma vista panorâmica impossível de conseguir do lado argentino. Para as fotos, recomenda-se a manhã, para se ficar com o sol pelas costas.



Mais informações em www.iguazuargentina.com

In My Father's Den

Ou "Um Refúgio no Passado", em mais uma daquelas traduções à antiga Portuguesa.

Um belo filme neo-zelandês (com co-produção inglesa) que começa como drama intimista, torna-se num excelente thriller e, depois de algumas reviravoltas, acaba novamente como drama. Os actores são muito bons, em especial Emily Barclay, que representa Celia - uma bela surpresa, considerando os seus filmes anteriores, do tipo "terror para adolescentes".

Segue a sinopse (adaptada do cinecartaz do Público e do site oficial): Quando o pai morre, Paul, um fotógrafo de guerra desiludido, resolve voltar à sua remota cidade natal na Nova Zelândia. Totalmente desenquadrado da restante família e da realidade local, só pensa em partir de novo para Londres. Mas ao visitar a quinta da família, Paul acaba por (re)encontrar um velho refúgio do pai, onde, longe da mulher puritana, ele se dedicava aos seus pequenos prazeres: literatura, vinho, filosofia. Aí, vai encontrar Celia, uma jovem de 16 anos que, tal como ele 17 anos antes, sonha tornar-se escritora e conhecer o mundo. Tornam-se amigos, mas quando Celia desaparece, Paul, o último a vê-la, torna-se o principal suspeito. Paul vai então ser obrigado a confrontar a traição e a tragédia de que fugira na juventude e encarar as consequências penosas do silêncio que rodeou a sua vida adulta.

Ainda está pelas salas e podem ler/ver mais em www.inmyfathersden.com

Classificação: 3,5 Estrelas
(uma das grandes vantagens de ter um Blog próprio é poder inventar escalas de classificação!)

O Deserto dos Tártaros

Para primeira sugestão, fica um livro que não me deixou descansar enquanto não foi lido - O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati.
É um clássico da literatura (1940), agora republicado pela cavalo de ferro, presumo que com nova tradução.
Fala (ou pelo menos foi assim que eu o interpretei e entendi) da forma como lentamente vamos deixando para trás os nossos sonhos da juventude e nos deixamos enlear pela rotina ou fascinar pelo dia-a-dia. Mas também nos diz que podemos reagir e enfrentar a inacção, nem que seja no último momento.
É a história de um jovem oficial, recém-graduado da Academia Militar, sedento de aventuras e de feitos heróicos, que é destacado para uma fortaleza nas montanhas, fronteiriça ao Reino dos Tartáros - inimigos tão aguardados quanto temidos.
A verdade é que o posto é tudo menos aquilo que o Tenente Drogo esperava. Mas a pouco e pouco, a vontade de partir começa a fraquejar...

Custa tanto levantar de manhã

E custa tanto escrever o segundo post...

O melhor mesmo é passar já para o terceiro.

Custa tanto deitar à noite

E custa tanto escrever o primeiro post...

Desde logo o grande problema: como descrever os fabulosos planos que temos para esta pequena janela sobre a nossa alma?Bom, neste caso é simples, porque não há propriamente planos!Trata-se apenas de falar daquilo que se vai vivendo: de um filme que encheu o olho, de um livro que se leu de um fôlego, de uma música que falou ao ouvido, de um restaurante que alimentou o estômago e a alma, ou de um qualquer sítio (distante ou ao virar da esquina) que permitiu horizontes mais vastos.
Fica a janela aberta...