O Fiel Jardineiro

Desde logo, o título é totalmente enganador, o que se calhar afasta algumas pessoas das salas. Um nome como O Fiel Jardineiro (e ainda mais o original "The Constant Gardener") remete para aquelas produções faustosas da Merchant Ivory a partir de uma qualquer adaptação de um clássico da Jane Austen.
Mas o que encontramos é afinal um filme actual, sobre uma problemática que já não é actual porque se repete desde sempre: o abandono e exploração a que a África é votada pelo mundo. Neste caso, Le Carré fez uma incursão pelos meandros da indústria farmacêutica e pela forma como esta testa alguns novos medicamentos - em seres humanos e obviamente em países onde a vida humana vale muito pouco e se compra com meia dúzia de patacos.
É claro que no final, depois de passarem os nomes dos milhares de pessoas que participaram na feitura do filme e 99% do público já saiu da sala, aparece o habitual disclaimer afirmando que todos os nomes de pessoas e empresas são fictícios. Mas surpreendentemente, Le Carré acrescenta uma segunda frase dizendo que, ao fazer a sua investigação para escrever o livro, o que descobriu sobre a indústria farmacêutica faz o filme parecer um postal ilustrado! Ou seja, neste caso, a ficção peca por defeito em relação à horrível realidade.
E só posso dizer que o filme é de facto tudo menos "simpático". Aliás, é tão subtil quanto um murro no estômago. A violência não é explícita (com poucas excepções), mas sim intuída. E deixa-nos com um nó na garganta, que começa ao minuto 15 e já não nos larga até ao fim.
Quase todo a acção é passada no Quénia mas, de caminho, Le Carré leva também o protagonista até ao Sudão, para chamar a atenção para outro genocídio que tem sido olimpicamente ignorado e para os métodos de recrutamento da guerrilha homicida e diabólica do Exército de Resistência do Senhor. Como é que as Nações Unidas e os países ricos defensores da justiça global ainda não intervieram a sério nesta situação é uma questão que depressa nos perguntamos. Será por causa do petróleo que o Governo de Cartum controla?...
Conclusão: excelente argumento, uma bela história de amor, actores de referência, excelente realização. No final, este pode não ser o filme do ano. Mas é seguramente obrigatório. Nem que seja para nos apercebermos do paraíso em que vivemos.
Protagonistas: Ralph Fiennes e Rachel Weisz
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